Cabinda. A província-enclave situada no extremo norte de Angola, geograficamente separada de todo o território. Politicamente submetida às ordens do Camarada.
Cabinda. A provínicia-petrolífera, 30% do petróleo do país, 26% do PIB nacional, ELF, Shell, Cabinda Golf Oil Petroleun Company, o território do petróleo e do urânio e do ouro e do diamante e do fosfato e do manganês e do ferro. A da tabela periódica. Extrativismo de madeiras de lei.
Cabinda. A região do faroeste caboclo. FLEC, Frente de Libertação do Enclave de Cabinda.
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“Nzita Tiago lamenta português ferido em Cabinda” ou “Português gravemente ferido numa emboscada em Cabinda”. “Os estrangeiros devem partir do território” e “Cubanos estão de regresso a Cabinda”. “Morte de Helano desacredita teses angolanas de «Paz em Cabinda»”. “Resistência Cabinda reivindica a morte de onze soldados angolanos”. “FLEC reivindica a morte de vinte militares angolanos”. “Guerrilha ataca empresa de prospecção petrolífera”. “FLEC ameaça empresas em Cabinda”.
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Cabinda. Miconje, Belize, Buco Zau, Chicamba, Dinge, Lândana, Cacongo, Malembe, Tando Zinze, Ponta Vermelha, Iema, Cabinda. Fronteira com Congo-Brazzaville e Congo Democrático.
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A história de um médico. Em meados da década de 1980 decidiu que iria ser médico. Saiu no meio da guerra. O governo financiou os estudos. Aprendeu em russo que as coronárias irrigam o coração ao final de cada diástole, infarto é a necrose tecidual, resultado da hipoperfusão: infarto miocárdico, infarto esplênico, infarto cerebral, infarto pulmonar, enfarte. O nervo vago pode não se responsabilizar por todas as disautonomias, inclusive quando sente-se falta de alguém, ainda mais numa longínqua e calorosa cidade do Uzbesquistão. Vivia sem os seus pares, no primeiro ano morava com mais cinco de diferentes nacionalidades, seria mais fácil aprender o russo, pré-requisito para continuar os seis anos seguintes. Então não conseguia pedir um ovo, precisava apelar para a mímica. E como não era bom mímico (ou eles não eram bons entendedores?) passava fome. Voltou pela primeira vez para casa depois de dois anos, foram tempos difíceis. Voltou para casa no final de dez anos, com o russo fluente e a habilidade para conduzir uma cesárea. Sem guerra, com promessas de eleições, sem FNLA, o faroeste sempre vivo e tenaz, mesmas fronteiras, Cabinda ainda é o eco distorcido que o restante do país prefere ignorar e ao mesmo tempo trazer junto de si, extraindo todo o petróleo e ancorando mais um cargueiro que descarrega toda uma tripulação de chineses prontos a abrir estradas.
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“Cabinda: «Isto é um inferno para os angolanos»”
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