sexta-feira, 2 de maio de 2008

Cem dias deste lado de cá

I

Cem dias deste lado de cá. Medo. África. Vacinas. Visto e ser visto. Passaporte. Saídas. Chegada. Choro do pai. Choro da mãe. Choro do irmão. Choro dos amigos. Angola. E se eu tivesse dito que não viria para cá, seria como, hein?, responda! (Despedidas). Reencontros. Saudades. Luanda. Chegadas. O vento na catana na bandeira na roldana no vento. Muito anofelino. Trânsito. Rocha Pinto. Avenida 21 de Janeiro. Musseques. Musseques. Esgoto. Chuva. Casa nova, gente nova, idéias velhas. Falta água. Falta energia elétrica. O gás falhou, Dona Suzete teve recaída do paludismo. Baratas. Trabalho. Rainha Ginga (mulher, guerreira, africana). Sensações anódinas. Maianga. Expatriados. Prédio cinzento, imemorial, línguas nacionais, kimbundo, umbundo, kikongo. As crianças. Todas as tardes na Rinha Ginga todos são irmãos. Português castiço e ortografia embaralhada contato-arquitectura-contacto-arquitetura. Carnaval. Luanda Baixa: sórdido é um adjetivo que escorre pelas noites vaporosas. Praia estrada falésia estrada um corpo estrada imbondeiro estrada estrada estrada praia peixe pobreza (miséria?) pôr do sol, silhuetas ao sol. Sol muito sol, fins de tarde à cobrar. Mussulo. Sangano. Cabo Ledo. Fixe, bué, mo kamba, aiué. Kizomba, semba, cuduro. Palancas. Placas de ruas azulejadas. Arquite(c)tura colonial. A memória da guerra. Avenida Marginal. Hotel Presidente, um cartão postal de mil novecentos e ... Vietnamitas. Gin tônica, mais por favor! As vietnamitas não são tão asiáticas assim, veja bem, Tragédia africana partida numa só, a de sempre. Guerra uma vez.
Chyndele. Pula. Branco. Colonizador (de quem? por quê?). Refugiados e retornados. Província. Interior. Moxico. Luena. Bitoque. Savimbi. Túmulo. Noites tchowké. Nada funciona. As dançarinas mukandas. Livros, autógrafos, mais livros, menos escrita. Uma história de negligenciados. Aniversário. Uma parede milimetricamente calculada com um vestido azul acomodado cuidadosamente numa cadeira de balanço você viu como a tempestade ia passar?.
“La Rosa Náutica”, no caso de pensar em pedir a mão de alguém em casamento (o último romântico). As garças filtradas com lentes do pôr do sol em negativo (tendências monocromáticas). A senhora granulada capturada inesperadamente. Banzo pela primeira vez. Saudades negras, sentimentos de mortes. Saudades sempre de todos. Volte logo. Preciso[(amo)]s (de) você. Estar aqui e em nenhum lugar. (pausa).

II
São seis máscaras mortuárias expostas numa parede vermelha.
Uma noite, uma luz, uma vela, uma sensação. Como é possível uma vela iluminar com tanta riqueza todas as curvas e arestas e detalhes e adornos e cores e ranhuras e imperfeições e grumos de barro de seis máscaras mortuárias atônitas,o pavio da vela
vai
sumindo
lentamente
e
cansando-se
de permanecer
aceso
até que
não reste
mais sombra,
mais vela,
mais nada,
nenhuma sombra, sombrio, escuridão, breu, noite, trevas, vazio, ignorância, sombra cada vez mais, assombrado e assombroso, só sombra
e as máscaras continuarão repousadas na parede vermelha (não há luz, como saber se irão permanecer dependuradas nos mesmos lugares, isto é o fim? acenda outras velas então). A lua cheia dentro da noite escura dentro da varanda ocular dentro do quarto frio e cinzento dentro do coração apertado e choroso dentro

III
dos cem dias deste lado de cá. (a chuva fina que cai no outro lado de lá).

Um comentário:

Anônimo disse...

As mascaras sao muito bem trabalhadas ... mas sempre a expressao triste nao é verdade? Triste, fria.
Adorei a foto do ceu cinzento, com a arvore.

Gin-tônica, please!

Sabia que voce nao ia deixar de postar antes de voltar. Eu sempre entro...mas você não está escrevendo mais como antes...Você não fala mais comigo... você não, você não, você não .... ê SAUDADE nheim, como atrapalha.
Conte os dias e volte. Estamos todos esperando.
bjbj