quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Os negligenciados – B.R.M. (parte 1)

B.R.M. tem 43 anos, é negra, angolana, semi-analfabeta (por via das dúvidas mete-se o polegar direito no campo apropriado e fica tudo consentido), natural de Luanda, mora em Sambizanga e está desde as sete horas da manhã na fila de um dos centros de aconselhamento e testagem voluntária para o HIV de Luanda.

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Vive maritalmente? Diga, Vive maritalmente? Sim, quer dizer, meu marido morreu estava com uns ataques no cérebro, não sei bem dizer Ah então é viúva, Pois sim E tem filhos, Sim, nove, qual a idade do mais velho trinta anos mas este já morreu Quantos morreram? Cinco, o mais novo tem agora 16 anos E qual tua idade? Quarenta e três anos E qual tua data de nascimento? Seis, sete, vinte e seis de Abril, o ano não lembro E estudou até que classe? Segunda classe vou voltar para os estudos este ano E faz o quê? Vendo mandioca e ovos E por quê resolveu testar Porque ouvi no rádio Mas saiu com alguém? Não, estou com jesus cristo Este resultado se for negativo não quer dizer que está livre do vírus é preciso voltar em três meses e se for positivo precisa mudar a alimentação, tomar os remédios, vai ser atendida por um doutor, Diga, Vai ser atendida por um doutor Então assine aqui Assinar é o quê? Escreva o seu nome Só sei o primeiro, então escreva no xis dê-me aqui o seu dedo é só um piquezinho Ai ai, Não puxe o dedo, é só um piquezinho faça o favor de aguardar lá fora enquanto espera o resultado.
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Então é assim, o seu resultado é positivo. Diga, O s-e-u r-e-s-u-l-t-a-d-o é p-o-s-i-t-i-v-o [o tempo, o tempo é relativo, o tempo brinca de manipular os fantoches que são os negligenciados, que não sabem se choram porque são esquecidos ou se riem porque são subjugados] Que assim seja, jesus quis assim vai ser assim Vai passar agora com a psicóloga vai receber orientação, não coma gordura, evite o sal vai conversar com quem em casa? Com os filhos Precisa usar camisinha Não tenho relacionamentos Podes conhecer alguém aqui Não, estou com jesus, tenho fé, Nunca se sabe, vamos ver depois, Boa tarde, passe bem, aguarde lá fora que já te chamam Diga.
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Sambizanga (Casa Branca). Quatro de Fevereiro de 1961. Primeiras revoltas separatistas, tentativas frustradas de libertação dos presos políticos, catanas degolando sonhos e privações. Sambizanga. Qualquer data de Fevereiro de 2008. Um dos bairros superlativos de Luanda: mais populoso, mais violento, maior mercado a céu aberto do mundo, o Roque Santeiro. Aqui vivem muitos negligenciados degolados pela tuberculose, pelas crises intermináveis de paludismo, pelas diarréias coléricas, pela doença do sono e pelas dores de outras réplicas de B.R.M., com uma ou outra diferença nas impressões digitais e na maneira torta de escrever o nome.

Um comentário:

Anônimo disse...

John, John, ontem fui ver Calabar com Camila, hoje assisti Persepolis, almocei com Rodrigs, enfim tudo lembrou voce, lembrou nós todos juntos, juntos nós, e isto esta sendo muito bom, mas, sem voce, tá doendo. Você é o catalizador da turma. Tá fazendo falta, demais da conta.
Beijao.
Fer