Avenida do Primeiro Congresso do MPLA. É final de tarde, já passaram-se alguns minutos desde que o sol se pôs. O céu rapidamente vai tornando-se alaranjado de permeio aos tons de rosa e de azul turquesa (em outro ponto da cidade há uma capa de chumbo tão sufocante quanto esta que segue) e o que se vê já é passado, são as leis da física e este prisma está com defeito porque algumas das cores estão e serão intraduzíveis. Será preciso um novo guia de identificação das nuvens porque o céu não limita-se a cumulunimbus e stratus e a criança vai precisar ser muito imaginativa para arriscar que aquela nuvem ali lembra o seu cachorrinho de estimação e que atrás dele vem um carro vruuummm. A sensação é de aperto, de vazio, de solidão, de saudades, tudo isto é sufocante e amedrontador, estamos todos deste lado de cá estamos todos voltando para casa. Há uma fresta de mar, porém não vem ao caso por ora.
Avenida do Primeiro Congresso do MPLA. É início da manhã. O caminhão do Governo da Reconstrução Nacional, de registro GRN-F052 saiu de Chicala, na ponta sul da Avenida Marginal (as vietnamitas recolheram-se às suas tocas) com cerca de trinta chineses na carroceria. Estão vestindo uniformes azuis ou cinzas esgarçados e sujos de cimento, capacetes verdes, chapéus de palha debaixo dos braços e uma trouxa na outra mão. O olhar de todos é vago e embaçado, por quê será que saudade é intraduzível? muitos têm fome, ainda nem são sete horas da manhã, a noite deve ter sido quente e escorregadia, por quê estamos todos nós e eu e eles deste lado de cá e não vamos voltar tão cedo para casa? Queremos todos voltar para casa. Cerca de trinta chineses enfileirados, ordenados, cabisbaixos e silenciosos prontos para mais um dia de trabalho na Avenida do Primeiro Congresso do MPLA. Nas obras da futura sede do Ministério da Justiça. Abrindo buracos por todo o trajeto da Avenida – os tapumes de proteção tentam explicar num chinês simplificado aos luandenses qualquer frase de orientação ou desculpem-nos pelo transtorno ou China International Fund Association. Estes trabalhadores precisaram abrir uma estrada e construir uma ponte às pressas para que os viajantes seguissem o caminho um dia desses na província.
Os chinocas estão cansados. Isto porque o trabalho nas obras da futura sede tem sido árduo ainda que bastassem umas pontes no interior do país e todas as lesões por esforços repetitivos ao cavarem buracos nas ruas para a passagem dos tubos de saneamento básico e agora os planos são outros e intempestivos e são mais um dois três muitos novos andares e paredes de vidro dourada de estética duvidosa que simulam temp(l)os faraônicos. E tal como a Esfinge devorando contumazmente os seus construtores com salários ridículos refletidos no olhar assustado(r) nas filas do supermercado simplesmente porque não entenderam a lógica de uma rima inocente: “China, um parceiro precioso ainda que polêmico e misterioso”.
Anoiteceu. Avenida do Primeiro Congresso do MPLA. O caminhão do Governo da Reconstrução Nacional, registro número F052/GRN-F052, recolhe cerca de vinte chineses misteriosos do portão de entrada da futura sede do Ministério da Justiça. Os olhares continuam vagos e embaçados, lembrem-se de que um dia todos fomos presos, os crimes não importam mais, a condição de degredados remeterá aos tempos em que a liberdade já foi preciosa, talvez um deles poderia recordar-se que seus pais também mudaram de cidade ou até mesmo de país, em épocas de outras revoluções e de livros vermelhos. O livro vermelho de hoje é onde são anotados as presenças, as partidas, os dias não trabalhados, a checagem da entrega do soldo. O livro vermelho de hoje ajuda este país rumo ao seu grandesaltoparaafrente.
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Os acordos entre Angola e China são estratosféricos. Somente no ano de 2006 os investimentos com a China ficaram em torno de 9,3 bilhões de dólares ou 697,5 bilhões de kwanzas ou 27, 9 bilhões de pães ou 697,5 bilhões de litros de água. Ou crianças esmolando uns kwanzas minha barriga está a doer tio e a água será um negócio sempre rentável. E aí a Esfinge lança ao viajante uma nova proposição para o seu enigma: GRN-D43. GRN-E015. GRN-F052. Governo da Reconstrução Nacional.
2 comentários:
Oi joao paulo, muito legal o seu blog, realmente a suas experiencias sao muito interessantes. mostro p/ todo mundo o seu blog. Eloisa falou que vc iria ficar feliz se eu mandasse um e-mail. Continue colocando bastante informacoes e fotos.
Abracos, Elena
Como se diz no poema...
"Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a Dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.
Da Igreja- A Grande Mãe- o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés de Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:
- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel que me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.
Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva para morrer na terra,
Não sei morra pra viver no Céu."
às vezes a gente pensa duas vezes, não é mesmo??
Abraço,
Gustavo.
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