sábado, 4 de outubro de 2008

Quatro ou cinco apontamentos sobre Sumbe, capital política do Kwanza Sul

Não são sobre quatro ou cinco apontamentos sobre Sumbe, capital política do Kwanza Sul que preciso falar,

nem da sua praça que é varrida todos os dias por uma senhora albina trajando um avental amarelo e um chapéu laranja parecendo por vezes um fantasma amedrontador da meia noite, noite e neblina, praça esta sem cor a da revolução sustentada pelos ícones de outras épocas, o cheguevarra borrado e os estáticos heróis nacionais, o doutor Agostinho Neto, a praça do casal antigo e embotado de todos os dias às oito horas da manhã, açoitados pela lama e chuva do dia anterior, na praça sem cor da revolução, erguida por edifícios retilíneos (possivelmente sempre, a guerra não foi lutada por aqui), modernos (já foram) e embolorados (relíquias de museus da guerra civil a céu aberto que são estes municípios do interior),

muito menos falar sobre a memória encalhada de um navio apodrecido desde algum dia nas águas calmas e salobras de Porto Amboim, município pesqueiro e do extrativismo do sal distante 70 quilômetros de Sumbe, o navio “D...MER MA...IA C5...6”, com a identificação manca dificultando o entendimento de sua procedência, painel de fundo para a fotografia de tempos que ficarão como tudo aquilo que poderia ter sido e que não foram, tempo rendido aos prazeres de noites solitárias, tristes e impermeáveis, sem qualquer amálgama que unisse toda essa massa consumida, de luas que entram pela janela do quarto e que inundam o coração de memórias secas, envelhecidas, e encalhando todos os sonhos sonhados e ... talvez ... se uma lágrima pudesse instablizar esta lata velha oceânica, quem sabe ...

- Veja só, você foi aquela felicidade clandestina dos famintos que mordem o naco de pão depois de terem percorrido o longo deserto, a sensação quente de qualquer aperto ou carícia depois da longa ausência, mas tudo isso dura pouco, porque a clandestinidade só é sustentada por certos períodos e promessas de amores sem fim, caminhos cruzados e todo o blá blá blá sentimentalóide que você quer que eu engula como se fosse uma iguaria nababesca e amanhã ou depois diremos adeus e adeuses, é melhor dizer adeus quando estamos de partida para evitarmos não-ditos mais para a frente e à frente está a enigmática Igreja geométrica que já ficou para trás, vigiando toda a costa, diametralmente oposta (quantas idéias baratas) ao Farol metralhado e que não orienta mais nada, (e olhe só que o casal comunicou-se muito pouco)

e nem mesmo das personagens babilônicas desta representação torpe e sem sentido que vem a ser estardesteladodecá, senhoras e senhores, ladies e gentlemen, as principais novidades deste circo dos horrores: o caubói russo à la harleydavidson e sua trupe de doutoras hermanitas e cubanas (“mucho gusto, yo soy lo remordimiento triste de Silvio Rodriguez, el cantante cubano que . . . bien, yo te estraño, cariño”), o casal trans-siberiano interrogativo e tão orientados quanto um avião de papel que aprende-se a dobrar logo nos primeiros anos de vida, o maratonista oriental com sua maleta 007, a última tecnologia em armazenamento de dados e um carro sem gasolina, suba aí, vamos para o mesmo lugar, a senhora vietnamita com seus chás cardiotônicos para indicações psíquicas e outros chistes (aplausos) e além, é claro, de uma amostra dos de sempre: os pescadores, as zungueiras, as crianças, os cachorros vadios, as galinhas, o peixe seco, o homem desconfiado, quilos de banana, quilômetros de estrada, imbondeiros, abacaxis, a polícia, chineses, brasileiros, expatriados de maneira geral, batatas da terra, carvão, a televisão estatal, bilhetes cancelados, lagostins, poeira, desminagem, mais crianças, escombros, carvão, arquitetura colonial, etc etc etc inúmeras vezes, misture uma porção de cada e deixe cozendo em fogo brando por trinta longos sóis e terá-se o leitmotif desta música triste que é estar neste lado de cá. (talvez nem fosse sobre Sumbe que precisasse falar, mas apenas exorcizar as águas profundas destas baías turbulentas).

4 comentários:

Anônimo disse...

Continuo a aqui vir e a gostar...

Unknown disse...

João, estou aqui acompanhando os seus belos apontamentos.

Tudo de bom pra você.

Ju Ribeiro.

João Paulo Toledo disse...

Ju,

bom dia, tudo bem?
pois é, gostaria de escrever mais sobre estas experiências, mas ando sem tempo. que bom que você está acompanhando!
e o churrasco de cinco anos, tem alguma programação?

boa semana,
um beijo,
João.

Unknown disse...

Oi João além dos seus textos maravilhosos suas fotos são de livro ...
Maior saudade de voce!